Caça às bruxas

Como gosto bastante da cultura russa, descobri um lugar em São Paulo chamado Tchayka – A Casa da Rússia. Lá, é possível encontrar uma porção de objetos que remetem ao país dos czares, de Dostoiévsky, Lênin, Korsakov e o maravilhoso Tchaikovsky. Há desde cds às tradicionais matriushkas. É fácil ficar longos minutos admirando reproduções de cartazes de filmes como Encouraçado Potemkim (1925) ou Ivan o Terrível (1944), obras-primas de Einsenstein. Na trilha sonora, a sétima sonata para piano de Serguei Prokofiev e a sinfonia concertante de Dmitri Shostakovitch completam o agradável clima eslavo.

Digo isso para introduzir outro assunto: saí de lá feliz com uma camiseta vermelha onde se lê as inicias CCCP, não a de “Cuidado com o Crioulo Pelé”, quando nossa seleção bateu os comunistas por 3 a 0 numa copa do mundo perdida do século XX, mas de Soyuz Soveietskih Sotsialistitcheskih Respublik, ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Passei a usá-la, e muitos me perguntaram: Maurício, você é mesmo comunista?

Olha, não sei bem, mas acho que sou. Estou acostumado com o capitalismo, é um sistema medíocre e capenga mas vá lá, às vezes funciona. Não tenho idade o bastante para saber como era “antigamente”, mas desconfio de que George Orwell estava certo. O comunismo pertence mesmo ao cemitério da história. Quando passo por lugares como a cracolândia, fico triste e desejando que toda aquela gente tivesse emprego, casa e família. Revolta ver tanto prédio que poderia estar sendo usado como moradia lacrado e abandonado. Desejo que toda cidade do Brasil tivesse ao menos um centro cultural, onde estivesse à disposição dos moradores um grande acervo de livros, filmes e discos com a nossa música brasileira. Brasil para os brasileiros! Desejo que as pessoas mais humildes tivessem acesso a museus, concertos, cinemas, teatros (entenda-se educação e erudição) e tudo mais que sonhassem. Desejo que moradores se unissem e lutassem pelos seus direitos nas comunidades pequenas e respeitassem a si próprios enquanto seres humanos, zelando pela coletividade num ambiente de fraternidade. Creio que isso são desejos comunistas.

Revolta um menino de rua parar no sinal, pedir um trocado para comer para a madame, que, a bordo de seu 4x4 importado diz “sinto muito, não tenho um tostão sequer”.

Li recentemente que na África (PRESTE ATENÇÃO, EU DISSE NA ÁFRICA) muitos produtores rurais jogaram milhares de litros de leite fora em protesto aos baixos preços pagos pelas gigantes indústrias. Recentemente, o parlamento europeu votava uma proposta para ajudar produtores de leite, o valor da ajuda superava os 250 milhões de euros. Pequenos fazendeiros africanos não conseguem competir dentro de seus próprios países com multinacionais, em sua maioria holandesas e francesas, o que gera uma situação bizarra: leite em pó importado é mais barato do que leite fresco produzido pelos próprios fazendeiros africanos. Isso acontece porque as indústrias europeias recebem incentivos fiscais do governo. Além disso, possuem maior capacidade de produção já que trabalham em escala industrial. Os pobres africanos não contam com tanta sorte: os governos não ajudam pois também são carentes de recursos, pagam impostos e demais despesas operacionais tais como ração, transporte e vacinas para o gado que acabam encarecendo o preço do produto final. Pelo menos para mim isso é revoltante, no mínimo. Já houve protestos assim aqui no Brasil.

Um boia-fria corta de dez a treze toneladas (EU DISSE TONELADAS) de cana por dia e recebe menos de 400 reais por mês para sobreviver apenas porque não tem “estudo”. Com isso, traz conforto para nós aqui na cidade; o álcool para limpeza, nossa boa e velha cachaça sem a qual não preparamos nossos drinques preferidos nem acendemos a churrasqueira. Não esqueça o caldo de cana sagrado da feira. Você acredita mesmo nisso? Da próxima vez que vir o álcool na prateleira do supermercado, lembre-se do cortador de cana.

Uma excelente propaganda veiculada tempos atrás informava que cerca de 20% de tudo que se compra na feira vai diretamente para o lixo. Incrível não? Sinceramente não sei explicar como aguentamos saber que todos os dias toneladas e mais toneladas de ALIMENTOS SÃO JOGADAS FORA nas feiras, nos supermercados, nos restaurantes e nos centros de distribuição. Apesar disso, pessoas morrem diariamente de desnutrição, de carência, de abandono...

De fome.

Procure ver onde o tênis que você usa é fabricado, faça o mesmo com seu celular, ipod, mp5000, Wii, PS e tranqueiras similares. Muitas mercadorias que enchem as vitrines e os olhos dos consumidoidos compulsivos do ocidente são produzidas na China por crianças em condições insalubres, desumanas, cruéis e covardes. Não me surpreenderia nem um pouco se descobrisse que as roupas das Pernambucanas, Renner, Riachuelo, C&A, entre outras, são costuradas por bolivianos clandestinos que recebem dezoito centavos por peça produzida e trabalham 15 horas por dia trancafiados nas confecções do Brás e do Bom Retiro sob o olhar algoz dos capatazes outrora judeus doravante coreanos. No shopping, essa mesma calça vai custar cem reais “em oferta”.

Um Roubo!

Intelectuais como José Serra gostam de dizer que “o capitalismo é o pior sistema econômico, com exceção de todos os outros”, outro pensador certa vez disse “o comunismo é a única solução, o problema é que não deram tempo para que fosse implantado de forma adequada”.

Fico com a segunda opção. Posso ser um tolo que acredita em papai-noel, mas ainda gosto de sonhar num mundo mais igual, humano e fraterno para todos. Até onde sei, o capitalismo não contempla tal hipótese, é cada um por si. Nada mais abominável.

Se os tigres urrarem contra mim. Explico-lhes que a mesma campanha liderada pelos Estados Unidos da América contra a “ameaça comunista” a partir dos anos 50, que fez a cabeça dos países pobres (entre eles o Brasil) é a mesma que se verifica hoje contra o “Terror”. O Brasil não precisa temer o terrorismo, a pendenga é lá no Oriente Médio entre califas e ianques. Se o comunismo não pegou no Brasil, foi porque nosso país se alinhou aos americanos (por mera conveniência) trocando gentilezas como a ida de Carmen Miranda para intermináveis turnês e gravações de filmes e até a criação de um personagem tipicamente brasileiro pelos estúdios Disney, assim nasceu o Zé Carioca. Os norte-americanos se diziam muito interessados na nossa cultura, uma ova! Queriam apenas nos ganhar na conversa para que caíssemos na deles. Certa vez, Carmen Miranda foi anunciada em solo estadounidense: “a pequena notável vinda diretamente do Brasil é a mais perfeita representante da cultura asteca!”. Isso mostra o quanto eles conheciam e estavam interessados nas nossas bananas. Parabéns mesmo só para Carmen, que se recusou a aprender inglês para atuar. “pois eles que se virem para entender o que estou falando! Eu me entendo perfeitamente!”

O tempo passa, o tempo voa, e os bodes expiatórios vão mudando uma coisinha aqui e ali. Eis a face do mal. Não podemos continuar compactuando com isso! O preço muda alguma coisa para nós aqui na cidade? Reflitam.

PS: Doe sangue! Nesta época os estoques ficam baixos, e as pessoas precisam!

Um comentário:

  1. Estava aqui entediada qdo deparei c/ seu texto. Bonitas palavras, amigo. No entanto, apenas palavras. Aristóteles separava o saber (práxis) do fazer (poiésis). Para Marx, contudo, teoria e prática são indissociáveis. Saber implica fazer, de modo que quando adquirem o conhecimento, a consciência acerca de sua realidade, aqueles a quem cabe a poiésis têm o poder de promover uma mudança. Assim, uma vez que se ocupar da práxis, ou seja, no momento em que a teoria congregar-se ao trabalho, a classe dominada poderá estabelecer uma nova ordem social.
    Ser comunista, portanto, consiste no saber aliado à prática, a consciência institucionalizada em partidos, em sindicatos, etc. Já as palavras, são só palavras... Elas provocam sim uma modificação interna no sujeito, mas que não necessariamente levará a uma exteriorização. A mudança, a alteração da ordem social só acontecerá, qdo houver uma ação externa ao sujeito. Grande beijo

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